Os Três Cachorros Encantados
 Ludwig Bechstein


Quem pensaria trocar
três ovelhas por três cães?
Pois foi o que Júlio fêz,
o herói de nossa história.
Mas saiu-se muito bem,
ganhando poder e glória:
com apoio da magia
obtinha o que queria.

Era uma vez dois irmãos, que se chamavam Júlio e Julieta. Moravam com o pai, que já era viúvo, e faziam sozinhos todo o serviço da casa. Júlio rachava lenha e ordenhava as três ovelhas que possuíam; Julieta cuidava da casinha e fazia comida para os três. Apesar de serem pobres, viviam felizes com o que possuíam.

Um dia o pai adoeceu gravemente. Chamou os filhos e falou:

— Meus filhos, logo vou partir deste mundo. Prometam-me nunca brigar por causa da pequena herança que lhes deixo.

Depois que o pai morreu, Júlio disse à irmã:

— Pode escolher, irmãzinha, o que preferir.

— Se você não se importa, ficarei com a casa.

— Pois bem — respondeu Júlio. — Você é mulher, é justo que fique com a casa para morar. Eu vou pegar as três ovelhas e sair pelo mundo em busca de fortuna.

— Se você não for bem sucedido, volte a morar comigo — disse Julieta.

— Se eu fizer fortuna voltarei para buscar você — respondeu o rapaz.

Júlio abraçou a irmã e partiu com as três ovelhas.

Passaram-se vários meses... Júlio continuava à procura de fortuna, sem nada ter encontrado. Um dia em que Júlio descansava à sombra de uma árvore, apareceu um velho que levava consigo três cães. Aproximou-se de Júlio e falou;

— Bom dia, rapaz. Quer fazer um bom negócio?

— Que espécie de negócio? — indagou Júlio, desconfiado.

— Troco meus três cães por suas ovelhas.

— Oh, isso não! — respondeu Júlio. — As ovelhas me dão leite, e os cães não me darão nada.

— Você é que pensa — retrucou o velho. — Estes cães são encantados. O primeiro se chama Traz-Manjares, o segundo é Devora-Tudo, e o terceiro, Rompe-Ferro. Eles têm poderes de acordo com seus nomes. Além disso, são de raça pura e bem educados. Você vai ficar satisfeito com eles.

Júlio concordou, e a troca foi feita. Os três cães tinham cara simpática, embora Júlio achasse que, na verdade, não pareciam ser de raça pura. Mas isto não importava. Havia outra coisa que Júlio queria verificar.

— Antes que você vá embora com minhas ovelhas, quero fazer um teste para ver se estes cães têm realmente poderes mágicos.

— É muito fácil — respondeu o velho.  — Se você está com fome chame o primeiro cão e veja o que acontece.

Júlio pediu ao cão chamado Traz-Manjares que lhe trouxesse comida. Antes que o rapaz tivesse acabado de falar, o cão já estava de volta com uma cesta cheia!

— Está convencido? — perguntou o velho.

— Claro — respondeu Júlio. — Mas diga-me uma oisa: se estes cães são úteis, por que você quer separar-se deles?

— Porque eles têm um defeito: querem andar cada um numa direção, e eu sou velho, não tenho força para segurá-los! Mas você é jovem e forte — continuou o velho. — Poderá dominá-los. Leve-os e boa sorte!

O velho afastou-se, deixando Júlio com os três cães. O rapaz pôs-se a caminho, e logo adiante viu uma carruagem com cortinas de pano preto nas janelas, como se fosse para um enterro.

Da carruagem vinha o som de soluços tão tristes, que Júlio ficou impressionado e foi ver quem estava lá dentro. Curioso, ergueu a cortina da janela e viu uma linda mocinha, que chorava sem parar. Quis saber o motivo daquilo e perguntou ao cocheiro:

— Por que esta moça chora tanto?

— Pois você não sabe? — respondeu o homem. — Aqui perto há um dragão terrível. Para acalmar a ira dele, todos os anos é sacrificada uma jovem deste país. A vítima é escolhida é por sorteio, e este ano a pobrezinha foi a filha do rei! Tenho que levá-la até a montanha onde vive o dragão.

— Pobre menina... — pensou Júlio. — Vou seguir a carruagem. Não é justo deixá-la sozinha e sem defesa.

Júlio seguiu a carruagem. Chegando perto da montanha, a moça desceu e continuou a pé até a caverna do monstro. O dragão era mesmo horroroso: tinha enormes unhas, as costas manchadas, asas de morcego e pelos misturados com escamas sobre o corpo. Além disso, soprava fumaça pelas narinas e pela boca. Com a bocarra escancarada, o monstro já se preparava para engolir a princesa com roupa e tudo, quando Júlio chegou e ordenou ao segundo cão que investisse contra o dragão.

Devora-Tudo, que era feroz e forte, atirou-se sobre o dragão. Num instante venceu-o e o devorou num único bocado. Isto é, sobraram só as unhas e os dentes do monstro.

Júlio, que durante a luta incitara o cão, agora estava satiseito:

— Bravo, Devora-Tudo! Você até merece um osso como prêmio!

Mas, depois de ter comido o dragão inteirinho, Devora-Tudo não queria saber de osso nenhum: estava de barriga cheia.

A princesa, livre do perigo, sorriu aliviada e disse a Júlio:

— Meu salvador! Venha ao castelo de meu pai, e ele saberá recompensá-lo!

— Seu sorriso é a melhor recompensa para mim — respondeu Júlio. — Adeus!

— Oh, não vá embora assim! Diga ao menos até à vista!

— Pois bem, princesa. Até à vista... daqui a três anos.

— Três anos? Por quê?

— Porque quero conhecer o mundo. Não sou mais que o filho de um pastor de ovelhas e você é uma princesa. Daqui a três anos talvez eu já tenha conseguido fazer fortuna. Então poderei chegar a seu castelo
numa carruagem, como um nobre, e não a pé como um camponês. Até à vista, pois!

E Júlio se afastou depressa. O cocheiro falou então à princesa:

- Já que seu salvador não quis nenhuma recompensa, por que não diz a seu pai que fui eu quem matou o dragão?

— Oh, não posso dizer uma mentira dessas! — respondeu a princesa.

— Você vai dizer o que eu quero, senão eu a mato. Posso perfeitamente chegar sozinho ao castelo e dizer ao rei que o dragão a devorou. Vamos, jure que vai dizer ao rei que eu a salvei! - ameaçou o cocheiro. - Vamos, jure, jure!

A princesa foi obrigada a jurar. Assim, chegando ao palácio, o cocheiro recebeu as honras devidas ao salvador da princesa e os elogios do rei:

- Nobre cocheiro, por sua coragem e valentia, eu lhe concedo a mão de minha filha. Mas, como a princesa é ainda muito jovem, o casamento se realizará daqui a dois anos.

A princesa não queria casar-se com o cocheiro, é claro. A princípio ficou muito assustada, mas depois tranquilizou-se um pouco, pensando que ainda havia dois anos de espera.

Mas dois anos passam depressa, e cada vez que a princesa se lembrava disso, começava a chorar. Quando o rei perguntava a razão, ela dizia:

— Sou ainda muito nova para me casar. Vaos esperar mais um ano!
Na realidade, a princesa tinha esperança de que seu verdadeiro salvador voltasse.

Mas passou-se o terceiro ano, e chegou o dia fixado para a princesa casar-se com o cocheiro. A pobre moça não teve coragem de pedir ao pai para adiar novamente o casamento. Embora contra a vontade, teve que preparar-se para a grande festa. Mas sua tristeza não tinha fim. As damas da corte tentavam consolá-la, e até o rei lhe dizia:

— Minha filha, todas as moças choram no dia do casamento, mas você está exagerando!

Neste mesmo dia Júlio regressou de sua volta pelo mundo. Não tinha feito fortuna como pretendia, porque só pensava na princesa... Quando entrou na cidade, notou que as ruas estavam sendo enfeitadas para uma grande festa.

Vendo um grupo de pessoas na calçada, aproximou-se e perguntou:

— Digam-me, por favor, por que a cidade está em festa?

— Ora, então não sabe? — respondei um homem. — É que hoje, finalmente a princsa vai casar-se com seu salvador, o cocheiro que a livrou do dragão que ia devorá-la, três anos atrás!

— O quê? — perguntou Júlio, surpreso. — Quem ousa dizer que matou aquele dragão? Quem é esse mentiroso?

Um soldado que estava perto ouviu e disse;

— Estrangeiro, cuidado! Não ouse ofender o futuro príncipe!

— Pois insisto em dizer que ele é um mentiroso! — retrucou Júlio.

— Nem uma palavra mais — disse o soldado. — Acompanhe-me à cadeia. Lá você aprenderá a não insultar as pessoas!

Júlio foi levado para a prisão, por ter desrespeitado o futuro príncipe. Seus três cães o acompanharam e ficaram do lado de fora.

Júlio estava muito triste, com um enorme peso de ferro acorrentado nos pés, quando ouviu alguém raspar a janela

— Se não é a princesa, não quero ver mais ninguém!

Mas ao dizer isso Júlio olhou para a janela e viu seus três cães. Alegrou-se e exclamou:

Ter um cachorro afeiçoado
é muito bom, isso eu digo,
mesmo não sendo de raça,
pois ele fica nosso amigo,

Se ter um é um tesouro,
então estou felicíssimo,
porque tendo três cachorros
sou um homem riquíssimo.

— Que bom que vocês estão perto! Pelo mesnos tenho três amigos comigo..

Nesse momento Rompe-Ferro pôs-se a roer as grades da janela. Depois pulou para dentro e roeu também a corrente que prendia Júlio! Agora era só fugir dali bem depressa.

Assim que se viu livre, Júlio tratou der se afastar com os três cães, dizendo:

— Vamos depressa! Talves ainda possamos impedir o casamento da princesa com aquele cocheiro mentiroso!

Júlio montou em Devora-Tudo e os três saíram correndo. Só pararam bem longe, sob uma árvore. Antes mesmo que Júlio pedisse, Traz-Manjares já tinha vindo com carnes e frutas embrulhadas num grande guardanapo.

— Como você é rápido! — exclamou Júlio.

Traz-Manjares tinha ido buscar no palácio real, onde todos estavam à mesa, almoçando. O cão era muito esperto, e aproveitara a oportunidade para chegar perto da princesa e lamber-lhe a mão. Ela o reconheceu e disse ao rei:

— Depressa, mande seguir aquele cão e trazer o dono dele ao palácio!

O rei deu ordem para que seus guardas fizessem o que a princesa pedia. Depois, dirigiu-se a ela e disse:

— Filha querida, explique-se! Não estou entendo nada...

A princesa, que há muito tempo não sorria, tinha o rosto feliz e os olhos brilhando de alegria. Com a volta de seu salvador, sentiu-se livre do juramento que fora obrigada a fazer e contou a verdade ao pai. O rei compreendeu o motivo de toda a tristeza da filha durante aqueles três anos. Em seguida, ordenou aos seus guardas;

— Prendam o cocheiro imediatamente! Levem-no para a cadeia com ordem de nunca mais sair de lá! E vocês, toquem os clarins para receber o verdadeiro salvador de minha filha!

Quando Júlio chegou ao palácio, o rei o abraçou carinhosamente. A princesa emocionada disse:

— Até que enfim você voltou!

Júlio casou-se com a princesa e dias depois mandou buscar sua irmã. Júlia casou-se com um jovem duque e os três cães comandaram o cortejo real na festa do casamento.

Por fim ficou provado
que Júlio tinha razão.
O cocheiro foi castigado
e o rei, agradecido,
uniu a filha ao rapaz.
Virou príncipe o pastor.
Mas só casou por amor.


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