Certo Dia, um Cãozinho
Osmann de Oliveira

É claro que não vou falar do "cão negro" de Winston Churchil, mas, simplesmente discorrerei sobre os cãezinhos de estimação e os quais, como na palavra de Carlos Lacerda, às vezes se perdem nas "manhãs serranas" quando a "chuva fina" pára e faz com que o amarelo de uns poucos raios de sol dê cor às "gotas na ponta dos galhos, no dorso da grama como uma colheita de sonhos no verde-relva, no verde-mar que o vulto de um banco alvo sublinha, dentro da ondulação de plantas que se movem como se fossem ondas ora se agitam e ora se acomodam."

Qual a criança que já não sonhou com um pequenino animal, ou mesmo com uma ave? E qual o menino ou qual a menina que não viveu momentos de alegria com o rosnar de um cãozinho ou com o roçar de um gatinho?

Lembro-me de certo período de minha infância que vivi em Morretes — Morretes é aquela cidade bucólica e romântica que se situa ao pé da serra do mar, entre rios e córregos e em meio a simplicidade de homens e mulheres que vivem cada minuto como se fosse sempre uma eternidade — e onde eu possuía um cachorrinho chamado Nero. Para onde eu ia ele ia também, muitas vezes tinha eu que amarrá-lo perto da sacristia, a fim de que não ficasse espreitando a missa na Igreja de Nossa Senhora do porto.

Nhôzinho (Benedito Antune de Oliveira) tinha lançado uma "fábrica" de sorvetes e picolés na cidade. Era uma festa. Certa tarde a gurizada estava brincando próxima, quando surgiu um automóvel. O cachorro tentou atravessar a rua, foi apanhado, jogado para o alto e caiu meio morto. Agarrei-me ao pobre animal, chorei e chorei com a inocência de uma criança pobre que perde seu único tesouro. Não iria ver nunca mais a cauda lanuda do meu cão e nem o seguraria orgulhoso dentro da velha canoa aonde todos brincavam.

Lembro-me do cãozinho de modo enternecido. Outros cães vieram mas nem todos ou nenhum deles conseguiu apagar de minha memória aquele Nero, um Nero que não incendiou Roma, mas que fez fogueira na minha alma de menino pobre... é assim a vida dos pequenos animais: destinam-se a alegrar e depois deixam a saudade que entristece e marca.

Certo dia eu vi uma menina chorar por causa de um cachorrino de estimação. O outro que lhe foi dado chegou alegre e pareceu perguntar, latindo:

- VOCÊ ME ACEITA?

Eu não sei muito bem, mas os cães parece que falam quando se identificam com seus donos. Correm de um lado para outro, sobem nas cadeiras mais próximas, latem como se quisessem discursar e dão cambalhotas como se pretendessem animar.

E o que pedem? Nada mais do que um pouco de ração e carinho.

Afagar a cabeça de um animalzinho é sempre uma obrigação de amor, pois estes não falam mas sentem e estão sempre à procura de um modo de dizer, no seu irracionalimo, que amam seus proprietários.

Sei de pessoas que ao se mudarem, deixam o cão que criaram. O animal, não sabendo que está sendo abandonado, corre atrás do caminhão da mudança e de repente distancia-se e fica na estrada. Alguém o recolhe. E não se sabe, pois jamais poderá falar, o que se passa na sua desgraça. A infelicidade não se perde em nenhum caminho. Ao contrário, ela ferra o espírito de quem a sofre, seja uma pessoa ou mesmo um cão.

É precio amar-se os animais para dizer-se que se ama o ser humano.
 

Osmann de Oliveira é advogado. Petence ao Centro de Letras do Paraná.


Publicado no jornal Gazeta do Povo em 28/08/1994

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